“Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência”
Declaração Universal dos Direitos Humanos
“O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis.”
Constituição da República Portuguesa
Comunicado de Imprensa
27 de Abril 2022
Queixa da D3 leva à declaração de inconstitucionalidade da lei dos metadados
A Associação D3 - Defesa dos Direitos Digitais congratula-se pelo Acórdão N.º 268/2022 do Tribunal Constitucional, agora publicado (ver comunicado do Tribunal), no qual o Tribunal Constitucional declara a inconstitucionalidade dos artigos 4.º e 6.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho. Estas normas impunham a conservação indiferenciada de todos os dados de tráfego e localização de todas as telecomunicações de todos os cidadãos.
Entre a argumentação utilizada pelo Tribunal, destaca-se o seguinte trecho da sua comunicação:
uma obrigação indiferenciada e generalizada de armazenamento de todos os dados de tráfego e localização relativos a todas as pessoas — que revelam a todo o momento aspetos da vida privada e familiar dos cidadãos, permitindo rastrear a localização do indivíduo todos os dias e ao longo do dia e identificar com quem contacta, a duração e a regularidade dessas comunicações —, restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa. Designadamente, por atingir sujeitos relativamente aos quais não há qualquer suspeita de atividade criminosa: abrangem-se as comunicações eletrónicas da quase totalidade da população, sem qualquer diferenciação, exceção ou ponderação face ao objetivo perseguido.
Esta decisão vem na sequência dos Acórdãos Digital Rights Ireland (2014) e Tele2/Watson (2016) do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no qual o TJUE declarou inválida a directiva que esteve na origem da lei portuguesa, por violação dos direitos fundamentais dos cidadãos europeus previstos da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Infelizmente, a declaração de invalidade de uma directiva da UE não tem efeitos directos nas leis nacionais que a transpuseram, pelo que a lei nacional continuava em vigor. Contudo, o Tribunal Constitucional veio agora seguir posição semelhante ao TJUE, relativamente aos limites impostos pela Constituição da República Portuguesa.
Este é o desfecho de um longo caminho que começou quando, em 2017, apresentámos uma queixa à Exma. Provedora de Justiça, requerendo que esta levasse este assunto à apreciação do Tribunal Constitucional. A Provedora de Justiça, concordando com a nossa queixa, recomendou ao Governo uma alteração legislativa. Perante a recusa do Governo em conformar a lei nacional com os direitos fundamentais dos cidadãos, decidiu a Provedora de Justiça aceder ao nosso pedido e requerer a fiscalização da lei junto do Tribunal Constitucional.
Eduardo Santos, presidente da D3, declara: “Foi reposta, por fim, a normalidade constitucional. Uma recolha indiferenciada dos metadados de todas as telecomunicações dos cidadãos, como se todos fossem suspeitos permanentes, 24 horas por dia, de serem criminosos, é inaceitável para os valores europeus e incompatível com os direitos fundamentais que os cidadãos devem ter por garantidos”.
A D3 agradece à Exma. Sra. Provedora de Justiça todo o empenho demonstrado na resolução desta questão, bem como à Comissão Nacional de Protecção de Dados que, enquanto entidade fiscalizadora, fez sempre questão de respeitar a jurisprudência do TJUE na protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos.