Pela defesa dos direitos digitais em Portugal




D3 e ANSOL enviam Carta Aberta à Administração Interna, Justiça e REPER para garantir segurança das comunicações dos cidadãos portugueses e europeus

7 de Outubro de 2025 - A Associação D3 - Defesa dos Direitos Digitais e a Associação Nacional para o Software Livre enviaram uma carta aberta ao Ministério da Administração Interna, ao Ministério da Justiça e à Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia para que Portugal vote contra qualquer proposta do Conselho da União Europeia que ataque a segurança das comunicações dos cidadãos portugueses e europeus.

A carta surge na sequência da marcação da reunião do Conselho amanhã, quarta-feira, dia 8 de outubro, onde os vários países da União Europeia poderão emitir a sua opinião, que decidirá a votação marcada para a reunião no Conselho dia 13 ou 14 de outubro.

O texto que a Presidência da Dinamarca apresenta para amanhã não tem alterações de conteúdo em relação às propostas anteriores, mantendo-se o ataque às comunicações cifradas através de client-side scanning.

Na carta, as associações invocam a inconstitucionalidade da proposta, assim como os riscos de segurança que a proposta abre nos equipamentos dos cidadãos.

Os signatários recordam ainda que o Parlamento Europeu conseguiu aprovar uma proposta que, ao mesmo tempo que combate este crime horrendo, consegue preservar a segurança dos cidadãos.

Carta Aberta

Exma. Senhora Ministra da Administração Interna, Maria Lúcia Amaral, Exma. Senhora Ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, Exmo. Senhor Embaixador, Representante Permanente, Pedro Sanchez Costa Pereira,

Temos acompanhado a posição do Conselho da União Europeia relativa ao regulamento europeu que visa estabelecer regras para prevenir e combater o abuso sexual de crianças, conhecido como Chat Control, e nas últimas semanas com crescente preocupação.

Este é um regulamento importante para combater um crime horrendo. No entanto, a proposta da Presidência da Dinamarca, no Conselho da União Europeia, continua a colocar em cima da mesa a quebra das comunicações cifradas, que terá consequências críticas na privacidade e segurança dos cidadãos europeus.

Sublinhe-se que a ordem jurídica constitucional portuguesa garante a inviolabilidade das comunicações privadas dos cidadãos, proibindo expressamente toda a ingerência das autoridades públicas (art. 34.º da Constituição), excecionando-se apenas o processo criminal. A proposta atualmente em discussão impõe um sistema automático que varre preventivamente todas as mensagens e ficheiros das comunicações privadas de todos os cidadãos. Sem suspeita, sem processo criminal, sem mandado de um juiz. É, por isso, inconstitucional.

Recentemente, na Assembleia da República, a vasta maioria dos partidos foi clara em defender a necessidade de Portugal rejeitar qualquer proposta do Conselho que não cumpra a Constituição Portuguesa. O Projeto de Resolução do PS, que foi aprovado com a abstenção do PSD, explicita precisamente algumas garantias constitucionais que Portugal deve defender no Conselho, como linhas vermelhas.

A isto acrescenta-se a questão da segurança, que infelizmente não tem sido muito debatida.

A solução atualmente apontada como forma de contornar a cifragem das comunicações privadas (client-side scanning) é tecnicamente um spyware instalado nos equipamentos dos cidadãos para varrer as suas comunicações privadas antes destas serem cifradas e enviadas. Ao contrário do que acontece atualmente nas plataformas cifradas extremo-a-extremo, o software de deteção proposto pelo Conselho usará essa backdoor para ligar-se regularmente a servidores externos para ir buscar as hashes (impressões digitais) no caso de conteúdos ilegais conhecidos.

Tais ligações regulares a servidores externos aumentam a superfície de ataque a atores externos, colocando os cidadãos europeus em risco, como vários investigadores têm alertado. Uma destas análises pode ser lida no Journal of Cybersecurity da Universidade de Oxford e disponível em https://academic.oup.com/cybersecurity/article/10/1/tyad020/7590463

Além disso, todos os conteúdos serão submetidos a técnicas de inteligência artifical altamente falíveis que tentarão identificar se determinado conteúdo pode ou não eventualmente corresponder a materiais proibidos.

Recorde-se que a proposta do Parlamento Europeu, que teve a aprovação do PSD, combate este crime, sem expor cidadãos e vítimas a riscos acrescidos.

Neste contexto, vimos apelar a que Portugal faça valer os seus valores fundamentais constitucionalmente consagrados votando contra a atual proposta no Conselho, manifestando-se igualmente indisponível para votar favoralvemente quaisquer propostas que não ofereçam as necessárias garantias relativas à privacidade das comunicações pessoais e ao direito à intimidade da vida privada, à luz da Constituição da República Portuguesa.

Com os nossos melhores cumprimentos,

Os Signatários

Associação D3 - Defesa dos Direitos Digitais
https://direitosdigitais.pt

Associação Nacional para o Software Livre
https://ansol.org