Comunicado de Imprensa
Associação D3 - Defesa dos Direitos Digitais
14 de Outubro 2020
Apps obrigatórias não pertencem a uma Europa democrática
A obrigação de instalação de uma app, qualquer que seja, é uma intrusão inédita e anti-democrática, digna do autoritarismo chinês e não do modelo europeu de sociedade. Tal obrigatoriedade, a acontecer, estaria em explícita contradição com as recomendações da Autoridade Europeia de Proteção de Dados, com as recomendação da Comissão Europeia, e ainda com as recomendações do Conselho da Europa, no que toca a este tipo de apps.
Ricardo Lafuente, vice-presidente da D3, defende: “Os cidadãos têm o direito a colocarem o que entenderem nos seus dispositivos. Considerando que o código-fonte do software utilizado não está publicado na totalidade, pois falta a componente fundamental relativa à parte que é controlada por Google e Apple e cujo funcionamento não conhecemos, é mais que legítimo questionarmo-nos sobre se queremos ou não instalar esta app. Esse direito de escolha é agora eliminado, em muitas circunstâncias, forçando o uso de uma aplicação sem provas dadas e de eficácia muito questionável”.
A app não faz diferença
Ainda não existe qualquer demonstração de que a Stayaway ou outra app do género poderá fazer a diferença. A ausência de qualquer sinal de sucesso, ou sequer de impacto, em Portugal ou noutro país, deixa-nos apreensivos quanto ao papel desta app no combate à pandemia, e apenas por fé cega se pode avançar com uma medida como a obrigatoriedade. A legislação deve ser feita com base nas evidências, e até ao momento não existe qualquer avaliação pública sobre o impacto ou a eficácia da utilização da app.
Aliás, os próprios proponentes da app sempre fizeram questão de salientar que a Stayaway é um mero complemento ao rastreio manual. No entanto, constatamos que a iniciativa de tornar a app obrigatória não é acompanhada de anúncios sobre o reforço do rastreio manual, pelo que só podemos concluir que as prioridades se trocaram – nada de novo para quem tem acompanhado o processo e a opacidade que tem caracterizado a informação do Governo, DGS e Inesc Tec, relativamente à Stayaway.
Quebra de confiança
Desde o primeiro anúncio da app que foi estipulado, de forma cristalina e inequívoca, que o seu uso seria voluntário.
O Governo falta agora ao prometido, e arrasa com qualquer capital de confiança que pudéssemos ter no que toca às premissas desta app. Que certeza temos agora de que em próximas actualizações, a app não comece a registar a localização das pessoas? Como podemos estar seguros que o nosso anonimato será mesmo mantido? Depois disto, o que podemos esperar?
Passando a instalação a ser obrigatória na maioria dos contextos, os cidadãos ficarão à mercê da arbitrariedade não só das decisões do Governo, mas também da Google e da Apple: a maior parte das pessoas não poderá ficar de fora sob pena de perder o emprego, e sabe-se lá que surpresas as próximas atualizações da app vão trazer aos telemóveis de cada um e uma de nós.
Perguntas que se levantam
O anúncio do Governo traz uma enorme confusão sobre as consequências da instalação obrigatória, e muitas questões se levantam:
- Quem não tem smartphone compatível com a app, fica impedido de ir trabalhar ou ir às aulas? Como poderão pessoas nesta situação cumprir com a obrigação?
- Se a app indicar um contacto positivo e o SNS24 aconselhar isolamento, a pessoa tem falta justificada ao trabalho ou a um exame?
- É esperado que professores e empregadores vigiem os dispositivos de alunos e trabalhadores?
- Com o seu uso obrigatório, torna-se fundamental ter acesso ao código-fonte completo da app. O Governo já articulou com Google e Apple a publicação do código que elas controlam?
- Afinal, entre as pessoas que contactaram a Saúde24 por terem recebido na app um alerta de possível contágio, quantas testaram positivo? Qual a eficácia prática da app?
“Esperamos que a sensatez prevaleça e esta ideia grotesca fique pelo caminho”, conclui o Vice-Presidente da D3, “mas se chegar ao Parlamento e passar, a D3 está pronta a avançar com uma providência cautelar, bem como empregar todos os meios à sua disposição para impedir uma medida até hoje considerada impensável - até por quem defendia a app.”