Em teoria, a Tarifa Social de Internet (TSI) foi criada para facilitar o acesso à Internet a famílias em situação de vulnerabilidade. Lançada em fevereiro de 2022, foi anunciada como uma medida fundamental para promover a inclusão social e a transição digital.
No entanto, a realidade é bem diferente. Actualmente, mais de quinhentos agregados familiares vulneráveis continuam a pagar por uma ligação à Internet que é 10 vezes mais cara e 12 vezes mais lenta que opções equiparáveis disponíveis no mercado. As contas são fáceis de fazer: nas ofertas entre 4 e 8 euros por mês, a opção mais barata custa € 0,04 por GB, e operadores de outras redes cobram 0,08/GB. Já na TSI, o custo é bastante mais alto: € 0,41/GB.
Além disso, a velocidade de ligação oferecida pela TSI - 12 Mbps de download e 2 Mbps de upload - é bem inferior, não chegando sequer a um décimo da velocidade das ofertas comerciais.
Oferta | Inclui | Mensalidade | Custo por GB | Velocidade |
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Tarifa Social | 15 GB, sem chamadas. | € 6,15 | € 0,41 | 12 Mbps download / 2 Mbps upload |
UZO (rede MEO) | 100GB acumuláveis + 2500 min./SMS | € 8 | € 0,08 | 150 Mbps download / 50 Mbps upload |
Amigo (rede Vodafone) | 100GB + 5.000 min./SMS | € 8 | € 0.08 | 150 Mbps download / 50 Mbps upload |
Woo (rede NOS) | 100GB + 2500 min./SMS | € 8 | € 0.08 | 150 Mbps download / 50 Mbps upload |
Digi | 50GB acumuláveis + chamadas ilimitadas | € 4 | € 0,08 | “até 150 Mbps na rede 4G e até 10 vezes mais na rede 5G” |
Digi | 100GB acumuláveis + chamadas ilimitadas | € 5 | € 0,05 | "até 150 Mbps na rede 4G e até 10 vezes mais na rede 5G" |
Digi | 150GB acumuláveis + chamadas ilimitadas | € 6 | € 0,04 | "até 150 Mbps na rede 4G e até 10 vezes mais na rede 5G" |
Na prática, as diferenças ainda serão maiores. A TSI tem um custo de activação de € 26,38, não considerado nos valores da tabela. As ofertas comerciais incluem ainda outros serviços, como chamadas telefónicas, SMS, ou a possibilidade de acumular os dados não usados de um mês para o outro — algo que a TSI não permite. Subindo ligeiramente a fasquia de preço, pelo menos dois operadores (Woo e Amigo) já disponibilizam tráfego ilimitado por apenas € 10 por mês, o que tornaria a comparação ainda mais contrastante.
A D3 recomenda
Como medida provisória, o Governo deve ajustar imediatamente as condições da Tarifa Social da Internet para corresponder ao menor preço disponível no mercado (€ 0,04 por GB). Isso significaria que a mensalidade de € 6,15 da TSI passaria a disponibilizar cerca de 150GB de tráfego. De igual forma, a velocidade da ligação deve ser igualada ao padrão do mercado. Esta medida provisória e urgente visa corrigir a flagrante situação de injustiça social que afecta famílias em situação vulnerável que, por vários motivos — inclusive a falta de informação — continuam com a TSI activa, acreditando que a tarifa social a que aderiram corresponderia, enfim, a uma tarifa social.
Posteriormente e assim que possível, o modelo da TSI deve ser revisto, no sentido de oferecer condições mais vantajosas que as disponíveis no mercado. Em particular, será imprescindível alargar o modelo a ligações de Internet fixa e garantir que o tráfego é ilimitado tanto para Internet móvel como para a fixa.
Recordando a história da TSI
Anunciada em 2021 pelo então Ministro da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, como uma importante medida de inclusão digital para as famílias mais carenciadas, a Tarifa Social de Internet tinha como objectivo chegar a 780 mil famílias. Para contexto, vale a pena lembrar que, de acordo com dados de 2019, apenas cerca de metade das famílias mais pobres tinham acesso à Internet em casa. No mercado, os efeitos do oligopólio eram evidentes. Em 2020, a própria ANACOM indicava que os operadores portugueses ofereciam das telecomunicações mais caras da Europa, e no ano seguinte, citava um relatório da OCDE que sugeria que as “causas dos elevados níveis de preços deveriam ser investigadas”.
A D3 depressa denunciou os problemas evidentes da medida, após a ANACOM ter apresentado uma proposta indigna — uma ligação à Internet com velocidade tão baixa que impossibilitaria o uso simultâneo pelos membros de uma família e um volume de dados que se esgotaria apenas em actualizações de software. Após uma consulta pública, na qual a D3 também participou, a ANACOM reviu a sua proposta, aumentando para 30Mbps de download, 3Mbps de upload e 30 GB de tráfego. Contudo, o então Secretário de Estado da Transição Digital, André de Aragão Azevedo, rejeitou essa proposta, reduzindo os valores para metade. “Pareceu-nos exagerado”, afirmou ao SapoTek, que escreve ainda que o governante lembrou que “esta é uma medida de política social e que colocar o nível de serviço em determinados valores não é razoável por poder distorcer o mercado”. Foi desta forma que as características da TSI foram fixadas nos valores actuais: 12 Mbps download / 2 Mbps upload e 15 GB de tráfego.
Como prevíamos, o futuro veio-nos a dar razão. Em vez de chegar a 800 mil famílias, andou sempre à volta de pouco mais de 500 contratos activos. Mesmo assim, os erros cometidos nunca foram reconhecidos nem corrigidos. Em 2022, a ANACOM apresentou ao Governo um estudo que concluía que a falta de adesão se devia à “iliteracia digital entre as camadas de população a quem a medida se destina” e aos contratos de fidelização em vigor, “que impedem os utilizadores de rescindir os respetivos contratos sem custos, de forma a aderir à TSI”. A nossa explicação é outra.
Em 2023, o então Secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa, Mário Campolargo, prometeu uma “reflexão” sobre a “baixa adesão”. Contudo, após reuniões do Governo com os operadores em busca de “uma revisão o mais consensual possível dentro do sector”, nada avançou — o que não surpreende.
Em 2024, já com a chegada do novo Governo, foram anunciadas intenções de rever a TSI, mas também nada avançou desde então.
Com a entrada da Digi no mercado e o consequente reajuste da oferta disponível, a TSI é hoje muito pior que as alternativas disponíveis.
A Tarifa Social da Internet será lembrada como um dos maiores fracassos de políticas sociais em Portugal. Precisamente por isso, a sua história merece ser lembrada. Uma medida social cuja prioridade foi evitar gastos públicos e garantir a protecção dos interesses das grandes empresas do sector, serve agora para nos lembrar que políticas sociais sem investimento real e subjugadas ao interesse do mercado não passam de políticas sociais de fachada.