O Programa de Apoio às Artes, que tem estado nas notícias nas últimas semanas, foi anunciado com uma dotação orçamental de pouco mais de 16 milhões de euros por ano (64,5 milhões de valor global para 2018-2021). Segundo notícias posteriores e após muita contestação, o Governo prometeu reforçar este valor.
Ouvimos todos os dias testemunhos e opiniões sobre a importância deste apoio e o impacto que tem a nível nacional. Não é sobre ele que queremos falar. Mas os seus números servem para colocar outros números em perspectiva.
A recente alteração (#PL118) à Lei da Cópia Privada (Lei n.º 49/2015 5 de junho) fez com que os valores cobrados aos cidadãos, apenas através desta taxa, passassem de menos de 600 mil euros em 2015, para perto de 12 milhões de euros em 2016. Em Setembro do ano passado, o Governo, em nota de imprensa, congratulava-se com este aumento colossal de taxa e estimava atingir os 15 milhões de euros em 2017.
Recordamos que a taxa da cópia privada tem por objectivo único compensar os autores por um possível prejuízo decorrente das cópias legais realizadas pelos consumidores, como por exemplo, passar um CD - que se comprou - para o formato mp3, de forma a ouvir a música noutro equipamento.
Um relatório do ex-comissário europeu António Vitorino, para a Comissão Europeia, em 2013, alertava para o risco de duplo pagamento do valor desta taxa, uma vez que em alguns casos, como o das lojas que vendem obras online, o utilizador pode fazer cópias das obras que adquire precisamente porque a própria loja já pagou pelo direito de o consumidor realizar cópias. Ou seja, em muitos casos, quando o consumidor compra uma música, um filme, um livro ou um áudiolivro em formato exclusivamente digital está na realidade a comprar uma licença que lhe permite ouvir, ver ou ler essa obra num número de dispositivos que foi acordado entre a loja e os titulares dos direitos. Assim, o preço que o consumidor paga já inclui todas essas cópias: no caso do iTunes são cinco cópias em cinco dispositivos em simultâneo mais uma cópia para backups, no caso do Google Play são dez cópias.
A directiva Europeia (InfoSoc) determinava que o possível prejuízo decorrente da cópia privada teria de ser calculado pelo legislador, uma vez que a compensação teria de ser equitativa. Tal não aconteceu no caso Português, em que a AGECOP pode recolher uma taxa sem limite, sendo que apenas pode ficar com 15 milhões da taxa que recolher. Estipula a lei que "A partir de 2015, em cada ano civil, caso o montante da compensação equitativa cobrado pela entidade gestora a que se refere o artigo 6.º seja superior a 15 milhões de euros, o montante superior a esse valor constitui receita própria do Fundo de Fomento Cultural e destina-se a contribuir para financiar programas de incentivo à promoção de atividades culturais e à criação cultural e artística, com prioridade ao investimento em novos talentos."
Por outro lado, a excepção da cópia privada só permite aos cidadãos realizarem aquelas cópias "desde que [a cópia] não atinja a exploração normal da obra". Se a cópia não pode atingir a exploração económica da obra, será muito difícil que o possível prejuízo seja suficientemente grande para ser obrigatoriamente compensado.
De facto, nunca ninguém conseguiu demonstrar que o tal possível prejuízo é suficientemente grande para ter de ser compensado. Ainda assim, a lei foi avante. Prevê-se que valor colectado continue a subir nos próximos anos.
Aprendemos então que para compensar um alegado prejuízo cuja existência nunca foi demonstrada, estamos todos a pagar um valor que já deve andar perto do valor anual de todo o Programa de Apoio às Artes.
É curioso ver como, dependendo de quem tem de pagar a factura, é tão diferente o valor do dinheiro.