A recente venda da Twitter fez com que muitas pessoas tenham abandonado essa rede social ou pelo menos decidido experimentar outras alternativas. Muitos se deparam pela primeira vez com o Mastodon. Apesar de a sua utilização quotidiana ser praticamente igual à do Twitter, não existe uma plataforma única em que nos registamos, mas sim várias “instâncias”, ou servidores, sendo preciso estar registado somente num deles. Muitos estranham este funcionamento.
Na verdade, nada existe de estranho aqui. O Mastodon funciona tal e qual como o nosso velho conhecido e-mail. Para se poder comunicar por email, é indiferente se usamos o serviço do Gmail, do Outlook, do Sapo mail, ou se temos o nosso próprio serviço de email: todos comunicam entre si. Isso é possível porque foram estabelecidos protocolos abertos, que qualquer pessoa ou empresa pode implementar para conseguir colocar o seu serviço de email a comunicar com os restantes serviços da rede. A própria Internet é constituída por protocolos abertos – um dos maiores motivos da sua imbatível popularidade.
Concentração de poder nas plataformas
Infelizmente, nos últimos largos anos, a Internet tem-se tornado cada vez mais centralizada. Plataformas como o Facebook, Youtube, Twitter, Amazon, entre muitas outras, atingiram uma dimensão colossal, e com ela um poder demasiado grande, que em último caso coloca mesmo perigos à democracia. Neste cenário, reacendeu-se o debate sobre o papel que estas grandes plataformas desempenham na sociedade, qual a sua responsabilidade pelos conteúdos que têm, qual o papel que devem ter na moderação dos conteúdos dos utilizadores, que políticas de moderação são desejáveis, ou que novos desafios colocam do ponto de vista da livre concorrência. O debate acontece um pouco por todo o mundo, e recentemente a União Europeia aprovou o Digital Services Act e o Digital Markets Act, com respostas a estas questões.
A alternativa: protocolos
Outra forma (menos legalista) de dar resposta aos desafios colocados pelo excesso de poder destas plataformas é precisamente voltarmos a usar protocolos em vez destas plataformas fechadas, tal como ainda fazemos hoje quando trocamos um email. O popular artigo Protocols, Not Platforms, de Mike Masnick, explora esta ideia.
Esta é a grande diferença entre o Twitter e o Mastodon: O Twitter é uma plataforma fechada, o Mastodon é um software livre e de código aberto (entre outros) que implementa um protocolo aberto (ActivityPub). Qualquer pessoa ou empresa pode participar no Mastodon. Para ter uma conta, os utilizadores devem escolher um servidor, ou optar por ter o seu próprio servidor – mas independentemente dessa escolha, todos podem comunicar e seguir-se uns aos outros. O resultado final, na prática, é muito semelhante ao que conhecemos do Twitter.
Moderação de conteúdos
A lógica descentralizada permite também uma nova e interessante abordagem à moderação de conteúdos. Cada instância de Mastodon deve definir as suas próprias regras. Isso permite que comunidades diferentes definam regras diferentes, que melhor se adaptem às suas necessidades e aos limites que entendem definir. Utilizadores podem escolher juntar-se a comunidades com cujas regras melhor se identificam. E em casos extremos, uma instância pode também recusar comunicar com outra, por não concordar com a sua política de conteúdos.
Sustentabilidade
Directamente relacionado com a questão das plataformas vs protocolos está a questão do financiamento dos custos do serviço. O modelo de negócio subjacente a praticamente todas as grandes plataformas é o capitalismo de vigilância, ou seja, uma constante e detalhada colecta e tratamento de informação sobre o utilizador e respectiva navegação na Internet, incluindo dados pessoais, para venda a anunciantes. Tal modelo é popularizado na tirada “se não estás a pagar, és tu o produto”. Tal tirada só é válida dentro do enquadramento do capitalismo de vigilância. Fora dessa esfera, existem alternativas que são de facto gratuitas e não espiam os seus utilizadores, como, por exemplo, o software livre.
A utilização de software livre e protocolos abertos de uma forma descentralizada, como acontece no Mastodon, permite aos seus utilizadores evitar a vigilância que as plataformas exercem, bem como a extracção e monetização dos seus dados pessoais. Por outro lado, a questão da sustentabilidade não deve ser descurada. Tal como acontece com a moderação, também aqui a grande vantagem da descentralização é permitir a cada utilizador, a cada instância, e a cada comunidade, encontrarem as suas respostas para a questão da sustentabilidade.
Indo além do Twitter e do Mastodon…
Hoje falámos do Twitter e Mastodon, por ser o tema da actualidade. Mas o software livre e os protocolos abertos podem ser usados como alternativa a outras plataformas: o Peertube é uma alternativa ao Youtube, o Pixelfed é análogo ao Instagram, e há muitos outros.
A este universo descentralizado e federado dá-se o nome de Fediverso, e é todo um novo mundo a descobrir.
PS: Parece que vai abrir uma nova instância de Mastodon. Em breve ;)